Para marcar o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, a Amagis está publicando, desde o início desta semana, uma série de entrevistas que destacam a mulher no mercado de trabalho, especialmente na Magistratura, a defesa de seus direitos e suas conquistas históricas. A primeira entrevista foi com a ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do STF. Também já deram seus depoimentos as juízas Marixa Fabiane Rodrigues e Marcela Oliveira Decat de Moura.
Nesta quinta-feira, 10, a Amagis publica entrevista com a vice-presidente Administrativa da Associação, juíza Cristiana Martins Gualberto Ribeiro, do Juizado Especial em Vespasiano. A magistrada afirma que as mulheres são sim excluídas nos espaços de poder e que ainda hoje a ambição profissional feminina não é vista com bons olhos. Para Cristiana Gualberto, a construção de uma cultura livre do machismo começa com a educação dada pelos pais dentro de casa.
Na primeira instância do Judiciário, é possível perceber um número quase igual de homens e mulheres, mas a proporção fica bem mais desigual nas outras instâncias. No STJ, por exemplo, menos de 20% são ministras. Como a senhora avalia essa disparidade?
Acredito que a expressiva diferença entre o número de homens e mulheres na composição dos Tribunais e das Cortes Superiores é reflexo, ainda, do longo período em que poucas mulheres ingressavam na Magistratura.
Como se sabe, o equilíbrio entre homens e mulheres no primeiro grau é uma conquista recente, decorrente não só das mudanças feitas na forma de ingresso nos Tribunais, mas também da própria sociedade, que passou a valorizar e reconhecer a importância da mulher ter uma profissão.
Essa configuração atual do Judiciário impacta nos julgamentos envolvendo, por exemplo, aborto, infância e Lei Maria da Penha?
Não acredito, porque o fato de homens e mulheres possuírem diferenças em suas perspectivas morais não implica que os juízes do sexo masculino e feminino façam julgamentos diferentes. Afinal, aos juízes cabe interpretar a lei.
A senhora percebe alguma dificuldade para transitar em espaços historicamente ocupados por homens?
Sim, porque mesmo diante de avanços no que diz respeito à igualdade entre os gêneros, as mulheres ocupam cargos de menor peso nas grandes decisões políticas e de menor prestígio no mercado de trabalho, o que revela a exclusão das mulheres nos espaços de poder. Sinto que, quando se trata de tomar as decisões mais importantes para todos nós, as mulheres não são ouvidas com o mesmo peso.
Quais as discriminações que as mulheres mais sofrem na carreira jurídica? Como se notam os preconceitos?
Acredito que a discriminação contra as mulheres na carreira jurídica é um espelho da discriminação em todo o mercado de trabalho, quando somos preteridas na escolha para ocupar determinado cargo, não em virtude da falta de competência para exercício da função, mas sim em razão da possibilidade de virmos a ter filhos e nos afastar pelo período necessário para cuidar da criança. Também se vê claramente a discriminação na fixação dos salários, quando as mulheres recebem menos para exercer o mesmo cargo.
A senhora já sofreu preconceito em sua profissão, mesmo que velado?
Sim, no momento da gravidez.
As magistradas precisam se esforçar mais para conseguir os mesmos direitos que os colegas, como promoções?
A questão envolvendo as promoções requer um debate mais profundo porque há uma exigência maior quando a promoção é feita pelo critério do merecimento, o qual ainda é muito político e destituído de dados objetivos.
Aí, nesta situação, a questão do gênero influencia e requer das magistradas um esforço maior.
A senhora acredita que a equivalência de gênero chegará em breve ao Judiciário?
Acredito sim, porque já vencemos no primeiro momento, com o ingresso de mais mulheres nos concursos públicos. Agora, é questão de tempo que essas magistradas sejam promovidas e que também nos Tribunais a equivalência apareça.
Quais as principais contribuições que as magistradas trouxeram para a Justiça?
A presença das mulheres no Poder Judiciário contribuiu para quebrar paradigmas e revelar que é possível uma relação igualitária entre homens e mulheres e que o exercício do poder independe de gênero.
E quais as principais conquistas da mulher na Magistratura?
Analisando o avanço feminino no Poder Judiciário desde o ingresso da primeira mulher no Judiciário estadual brasileiro, Auri Moura Costa, em 1939, podemos ver que as mulheres conquistaram espaço relevante na primeira instância, onde atuamos em igualdade com os homens. E também nos Tribunais houve um avanço, ainda que tímido, com a indicação de mulheres para cargos de direção, espaço político historicamente ocupado por homens.
E, neste aspecto, o ano de 2016 será marcante, pois a presidência do Supremo Tribunal Federal será ocupada pela ministra Cármen Lúcia.
Como a senhora concilia a profissão com a vida familiar para estabelecer uma harmonia entre ambas?
Aí você falou da minha maior dificuldade. Confesso que, diariamente, estou em busca de novas ações que me propiciem equilibrar a vida pessoal e a profissional.
No âmbito pessoal, basicamente estruturei minha casa com funcionárias-chave que resolvem grande parte das minhas demandas domésticas e optei por matricular minhas filhas em uma escola integral, para que no período da noite, quando a família se reúne, possamos conversar, jogar e ler livros. Também conversei com meu marido e dividi com ele algumas tarefas domésticas.
No Juizado, alterei meus horários e a forma de atuação, investindo na capacitação da minha equipe, de forma a maximizar meu tempo.
O empoderamento feminino é cada vez mais nítido em vários setores da sociedade. A mulher ainda tem muito o que conquistar?
Tem, e muito mesmo, pois ainda hoje a ambição profissional feminina não é vista com bons olhos. E a diferença de remuneração é uma realidade.
É possível construir uma cultura completamente livre do machismo?
Sem dúvida. Penso que a construção dessa cultura começa em casa, com a educação que passamos para nossos filhos, de maneira que eles cresçam sem obstáculos internos do tipo “isso é coisa de homem” e “isso é coisa de mulher”. Também acredito que a chegada à cultura livre do machismo exige uma divisão mais igualitária das tarefas domésticas. E, por fim, para conquistar o dia em que não existirão mais líderes feministas, mas apenas líderes, é necessário que cada mulher faça acontecer a mudança em sua vida, realizando todo o seu potencial.