Luzia PeixôtoEncerrando a série de entrevistas publicadas nesta semana para marcar o Dia Internacional da Mulher (8 de março), conversamos com a juíza Luzia Peixôto. Além de titular da 2ª Vara de Execução Fiscal Municipal de Belo Horizonte, a magistrada é a atual vice-presidente de Saúde da Amagis, e tem uma longa trajetória de participação no associativismo, tendo sido a vice-presidente Administrativa da Amagis de 2013 a 2015.

Leia também as entrevistas feitas com a ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do STF, e com as juízas Marixa Fabiane Rodrigues, Marcela Oliveira Decat de Moura e Cristiana Gualberto Ribeiro.


A senhora sempre se dedicou com afinco ao trabalho na Associação. Qual a importância da mulher no associativismo?


Estou na Magistratura por escolha, não por falta de opção. É tudo o que eu gosto de fazer e me sinto realizada profissionalmente. Desse modo, a participação na vida associativa é para agregar, buscar meios para melhoria das condições de trabalho, da prestação jurisdicional mais célere e eficaz e somar forças pela luta constante das prerrogativas e conquistas para que possamos ser os juízes que a sociedade deseja.

Em algum momento, a senhora foi desencorajada a prestar o concurso para a Magistratura pelo fato de ser mulher?

Não. Entretanto, quando concorri para o cargo da Vara Agrária de Minas Gerais, várias profissionais, não só da Magistratura, argumentaram que eu não deveria assumir, porque aquela Vara não era adequada para uma mulher. Esse fato não me abalou, porque, quando eu fiz o concurso, sabia que teria de enfrentar vários desafios e este foi apenas mais um. O curioso é que não sofri qualquer tipo de preconceito entre os ocupantes das áreas em conflito nas várias regiões do Estado que visitei e realizei as audiências de conciliação, com um número considerável de acordos. Pelo contrário, quando chegava ao local do conflito, era muito bem recebida com café e almoço e sentia que as pessoas ali queriam resolver os problemas. Foi uma experiência de vida muito válida.

É possível conciliar a vida familiar com a carreira jurídica ou um lado sempre fica desfavorecido?

É possível sim. Qualquer que seja a correria ou trabalho desempenhado pela mulher, nunca esquecemos ou deixamos de lado a família. A carreira é um plus, uma satisfação pessoal. A mulher não deixa de amar, ser feliz, sofrer, chorar, cuidar dos filhos, administrar a casa, ajudar nos deveres de casa. A mulher dá a vida pelos filhos e não deixa de ser menos capaz de desempenhar suas funções no trabalho.


Nos últimos anos, a mulher conseguiu galgar postos até então ocupados hegemonicamente por homens. Em setembro deste ano, por exemplo, a ministra Cármen Lúcia toma posse na presidência do STF. A senhora acredita que esse cenário demonstra uma mudança na postura da sociedade com relação às mulheres?

Na Magistratura, a participação feminina ainda é tímida. A primeira juíza brasileira foi a Dra. Auri Moura Costa, em 1938, mas que foi nomeada, curiosamente, apenas porque foi confundida com um homem em razão de seu nome. A primeira mulher a ingressar na magistratura por meio de concurso foi a juíza Thereza Tang, em 1954, que foi também a primeira desembargadora (1979), em Santa Catarina.

A Dra. Raphaela Alves Costa, a primeira magistrada mineira, em 1960, e a Dra. Branca Rennó a primeira Desembargadora a integrar o TJMG, em 1988. A ministra Ellen Gracie foi a primeira mulher a integrar o STF, em 2000, e a primeira mulher a presidir a Corte Suprema, em 2006.

A Ministra Carmem Lúcia será a presidente do STF a partir de setembro. É uma grande conquista, considerando que as mulheres têm pouca representatividade nos cargos diretivos dos Tribunais.


Mesmo com todas as medidas já implementadas em favor da mulher, seja de cunho legal ou por meio de políticas executadas pelos governos federal, estadual e municipal, a senhora ainda vê aspectos da vida da mulher que necessitem de proteção e amparo do Estado?


Nas questões da violência doméstica e nas de violência física e psíquica contra a mulher. Os índices são alarmantes e é necessária a tutela e proteção do Estado.

No exercício da magistratura, é possível separar a juíza da mulher e suas peculiaridades? Por exemplo: é possível separar o lado materno e a própria vivência em disputas e casos polêmicos envolvendo crianças e seus familiares?

É possível, porque a magistratura é exercida dentro dos limites da lei, de forma isenta e imparcial. A legalidade, os preceitos e as garantias constitucionais não podem sofrer influência. Ao decidir, a juíza o faz segundo as normas de Direito e não de acordo com a sua vontade própria.

Nesta semana em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher, que conselhos ou mensagem a senhora daria para as juízas que estão ingressando na magistratura?

Ergam a cabeça e honrem a sua Toga. O juiz e a juíza não podem ter medo nem serem tolhidos. Devem obediência à Lei, à Constituição e à sua consciência. Jamais esqueçam o juramento e compromisso assumidos no ato da posse. O exercício da Magistratura não coaduna com a distinção de gênero. Ainda que soframos preconceito, não há razão para intimidação.